Aramaçan, Santo André, 12/04/2019

Sexta-feira despretensiosa e a oportunidade de ver 2/3 da Imortal, Onipresente e ainda viva Legião Urbana. Antes de falar do show, algumas infos aleatórias sobre a casa:

O Aramaçan é um clube fundado em 1930 em Santo André. E além de tudo o que um clube oferece aos frequentadores, o Aramaçan tem um grande salão de festas que invariavelmente é usado para apresentações de bandas, além dos famigerados bailes promovidos pelo clube. A lotação desse salão é de aproximadamente 3500 pessoas em pé. Tem uma pista e um mezanino. A última vez que eu tinha entrado no Aramaçan foi em 1997 quando vi o Deep Purple tocando lá! Sim, o Deep Purple já tocou no Aramaçan! Duas vezes!
E olha, assim que entrei lembrei que o som não é lá aquela coisa… afinal, não foi um lugar construído visando promover muitos shows. Ainda mais shows de rock! O ar condicionado também não dá conta. A cerveja é boa! É só você ir até o bar que fica na lateral, pegar um balde com várias garrafas e levar contigo.
Eita, quanta nostalgia entrar lá pra ver um show!
 
O Show:
Horário de início marcado para as 23h30. Entrei na casa umas 23h. Tava bem lotado, mas tinha ainda um pouco de espaço na pista. A plateia predominantemente formada por uma galera mais velha. Muitos senhores, muitas senhoras! Poucos jovens.
 
23h25 e as caixas de som começaram a tocar “Rise”, do PIL. Primeira presença de Renato Russo já registrada, já que ele era um grande fã do rock britânico e do PIL. A Legião Urbana chegou a gravar uma versão de “Rise” música no cd acústico de 1992.
 
23h30 em ponto, eles entram no palco (que não tem cortina, então não teve suspense!). Dado Vila Lobos e Marcelo Bonfá se abraçam assim que avistam a galera.
 
Eles tem o apoio de Lucas Vasconcellos na guitarra e violão, Roberto Pollo nos teclados, Mauro Berman no baixo e André Frateschi nos vocais.
 
E vamos lá. Vamos ouvir as músicas que tem as frases das nossas vidas.
 
Ir a um show da Legião Urbana é divertido! Mas saiba que você dificilmente ouvirá os vocais do André Frateschi (que aliás tem um banda cover do David Bowie muito boa!). Mas não é porque ele não tem a voz poderosa do Renato Russo. Você não vai ouvir ele porque todas as pessoas que estão no show vão cantar todas as músicas de maneira absurdamente alta! E todo mundo conhece todas as letras! Sério, tive a impressão até que se a banda parasse de tocar, alguém na platéia iria sacar um violão e tocar todas aquelas músicas e a galera iria continuar cantando! As vezes de olhinhos fechados apertadinhos, as vezes abraçados aos coleguinhas, as vezes fazendo timidamente aquele dança de punk rock dos anos 80.
 
Nessa tour de 30 anos, eles estão tocando na íntegra os álbuns “Dois” e “Que País é Este”. E também algumas surpresas para os fãs.
“Daniel Na Cova dos Leões” foi a primeira música do show e a platéia virou um mar de  pessoas emocionadas e celulares pro alto. Celulares pro alto? Ok, faz parte, é um registro!
 
E o teu medo de ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
E eu sei que a tua correnteza não tem direção

Daniel Na Cova dos Leões
 
Nitidamente, Dado Vila Lobos (com sua cabeleira branca) e Marcelo Bonfá ficam em destaque no posicionamento do palco. É como se rolasse um respeito dos outros músicos em relação a eles.
 
Seguindo a ordem do disco, começa “Quase Sem Querer” e até ali eu não conseguido ouvir a voz do André Frateschi. Bora cantar junto!
 
Quantas chances desperdicei
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo o mundo
Que eu não precisava provar nada pra ninguém

Quase Sem Querer
 
Logo depois vem “Eu sei”. O que mostra que eles não vão tocar os discos na ordem que foram gravados. Melhor assim. Apesar das pessoas saberem o que a banda vai tocar, rola aquela surpresa e alegria nos primeiros acordes das músicas.
 
Um dia pretendo tentar descobrir
Porque é mais forte quem sabe mentir
Não quero lembrar que eu minto também

Eu Sei
 
A casa deu uma enchida e começa a ficar difícil de ver os caras no palco. Tem dois telões, um de cada lado que recebem imagens de duas câmeras fixas, uma no Dado e outra no Bonfá. Fora isso tem alguém com uma câmera na plateia que também manda imagens pro telão.
 
Índios é uma música que eu acho meio sombria. Sei lá, o baixo, o jeito de tocar repetitivo. Gosto dela e funcionou bem ao vivo. E olha, emocionou muita gente. Muita gente chorou ouvindo os versos de desespero escritos pelo Renato Russo.
 
Quem me dera ao menos uma vez
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes

Índios

Pela primeira vez eles falam com o público. Bonfá dá boa noite e diz que já estiveram no Aramaçan há muito tempo atrás. Dado também fala algo, mas o som do microfone dele está muito ruim e não dá pra entender lhufas do que ele fala.
 
E então, vem o primeiro Rock com R maiúsculo. “Tédio Com Um T Bem Grande Pra Você”. A música que talvez representa tudo o que veio de Brasília. O lance de não ter nada pra fazer, se reunir e começar a tocar com os amigos. Me veio a lembrança todas as bandas de Brasília: das velhas Plebe Rude e Capital Inicial as não tão novas Rumbora e Raimundos. Essa música deve ter sido o hino desses caras todos. Aqui o André Frateschi não cantou. Os vocais ficaram com Dado e o Bonfá.
 
Andar a pé na chuva, às vezes eu me amarro
Não tenho gasolina, também não tenho carro
Também não tenho nada de interessante pra fazer

Tédio Com Um T bem Grande Pra Você
 
Pra mim esse é um daqueles rock foda, que faz você querer se mexer. Mas a platéia tava bem comportada. Bem poucos grupos pulando ou dançando. A maior parte estava mesmo dando aquela leve balançada na cabeça pra frente e pra trás… é… o rock envelhece.
 
Com a distorção ligada e a guitarra com aquele som sujo, começaram a vir outras porradas do repertório da Legião. Com duas guitarras + teclados e baixo, dava pra fazer um barulho bom e foi o que eles fizeram.
 
Bondade sua me explicar com tanta determinação
Exatamente o que eu sinto, como eu penso e como sou
Eu realmente não sabia que eu pensava assim
Mais do Mesmo
 
Quem não tem senha, não tem lugar marcado
Eu sinto muito, mas já passa do horário
Entendo seu problema mas não posso resolver
E contra o regulamento, esta bem aqui, pode ver
Ordens são ordens

Metrópole
 
Não foi por mal
Eu juro que nunca quis deixar você tão triste
Sempre as mesmas desculpas
E desculpas nem sempre são sinceras
Quase nunca são

Acrilic on Canvas
 
Estou trancado em casa e não posso sair
Papai já disse, tenho que passar
Nem música eu não posso mais ouvir
E assim não posso nem me concentrar

Química
 
As letras da Legião sempre tiveram um grande viés politico. Parece que, independente de quando elas foram escritas, sempre se encaixam em algum assunto atual. E então, durante “Plantas Embaixo do Aquário”, Frateschi empunha uma Bandeira branca e grita: Armas Não!! Armas Não!! Reza a lenda que essa letra faz referência a Guerra Fria.
 
Não há nada de novo.
Você vive insatisfeito e não confia em ninguém
E não acredita em nada
E agora é só cansaço e falta de vontade,

Plantas Embaixo do Aquário
 
Acho que melhoraram o microfone do Dado. Ele volta a falar com a galera. Disse que eles tem mais de 30 anos de carreira e que algumas coisas não mudaram nesse tempo todo. Termina seu discurso dizendo “Melhor já ir se acostumando”, com ênfase no “já ir”.
 
“Música Urbana 2”, outra descrição sombria do cotidiano, é cantada no esquema acústico só com violões e gaita. Dado e Bonfá saíram do palco nesse momento. Frateschi fez aquele lance de gritar e a galera repetir. Sempre que vejo isso em shows lembro que só um cara fez disso uma arte: Freddie Mercury

Os PMs armados e as tropas de choque vomitam música urbana
E nas escolas as crianças aprendem a repetir a música urbana
Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana

Música Urbana 2
 
Frateschi diz que está em cima do palco, mas que poderia estar na platéia como qualquer um dali. Que cresceu e formou seu caráter ouvindo essas músicas. Que aprendeu sobre a vida com elas. E pede um grande salve ao maior de todos: ‘Renato Russo’. Ovação absurda e gente chorando aos montes na pista. De onde quer que esteja, o cara deve ter sentido a vibração.
 
Frateschi apresentou também Dado e Bonfá e aí começa “Eduardo e Mônica” com o Bonfá cantando. Eu não sabia que ele se metia a cantar. E ele errou a letra da música! Foi engraçado e libertador ver isso!
 
E quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão!

Eduardo e Mônica
 
Dado anuncia a Saga Brasileira e vamos de “Faroeste Cabloco”.
E sim, todo mundo cantou a música inteira! Milhares de pessoas recitando a história de João de Santo Cristo.
 
Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia Jeremias se casou
E um filho nela ele fez

Faroeste Cabloco
 
E aí começa a primeira real catarse na galera. Apesar de já terem tocados vários clássicos, é com os primeiros sons de “Que País é Este” que realmente o pessoal se solta, e começa a pular e fazer escorrer suor das paredes do Aramaçan! Lembra aquele lance de “viés politico”? Então, no meio da música André Frateschi grita: “80 tiros! 80 tiros!”. Referência a mais essa merda impune que aconteceu no nosso país.
 
Terceiro mundo, se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão

Que País É Esse
 
Essa cansou! Então vamos diminuir os batimentos cardíacos um pouco. “Angra dos Reis”, “Andrea Dória” e “Fábrica” na sequência.
 
Quando as estrelas começassem a cair
Me diz, me diz: Pra onde a gente vai fugir?

Angra dos Reis
 
Quero ter alguém com quem conversar
Alguém que depois não use o que eu disse
Contra mim
Nada mais vai me ferir

Andréa Dória
 
Deve haver algum lugar
Onde o mais forte não
Consegue escravizar
Que não tem chance

Fábrica
 
E então Dado diz que estão chegando ao fim dos discos. E que é hora de tocar a última música do lado A do disco Dois: “Tempo Perdido”. Sim, vamos assumir que ouvir Dado Vila Lobos fazer aquela introdução na guitarra tem seus fortes efeitos nostálgicos!
 
Então me abraça forte
E diz mais uma vez
Que já estamos
Distantes de tudo
Temos nosso próprio tempo

Tempo Perdido
 
Final da primeira parte. Eles deixam o palco mas voltam muito rapidamente. Confesso que achei que não teria bis, já que a idéia era tocar os dois discos na íntegra. Mas os caras voltaram e tocaram mais. Algumas pessoas foram embora, mas os que ficaram puderam cantar junto mais uma vez com os olhinhos apertados: “Vento no Litoral” e “Giz”.
 
Já que você não está aqui
O que posso fazer é cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos
Lembra que o plano era ficarmos bem?

Vento no Litoral
 
E mesmo sem te ver
Acho até que estou indo bem
Só apareço, por assim dizer
Quando convém aparecer ou
Quando quero

Giz
 
Chegando perto do final do show, dá aquela crescida na vibe da galera de novo. A bateria do Bonfá dá os primeiros toques e “Há Tempos” começa! Frateschi deixa a galera cantar do começo ao fim, em alto e bom som com Dado improvisando solos enquanto o resto da banda toca uma versão com um peso maior, sem o tradicional violão. Ficou bem legal! Na sequência, vem “Será”.
 
Disseste que se tua voz tivesse força igual
À imensa dor que sentes
Teu grito acordaria
Não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira

Há Tempos
 
Tire suas mãos de mim
Que eu não pertenço a você
Não é me dominando assim
Que você vai me entender

Será
 
Dado fala algo que de novo, o microfone não me ajuda a entender. Só entendo palavras soltas como “hino”, ”Brasil”, “República”. E os acordes de “Perfeição” começam. Ah, ok Dado. Não precisa explicar, captei a mensagem.
 
Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão

 
Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha, que o que vem é perfeição

Perfeição

Fim! Abraços na pista e no palco. Gente emocionada e feliz!

Independente se você gosta ou não de Legião Urbana ( e eu conheço muita gente que não gosta ), há de se respeitar a importância deles na história da música e do rock brasileiro. Ver esses caras tocando essas músicas tem seu momento de diversão, de emoção, de nostalgia e de reconhecimento. Como eu disse lá no começo desse imenso texto, são músicas com frases da vida! Frases simples mas que se mostram geniais em momentos adequados.
 
Urbana Legio Omnia Vincit
 


Marcelo tem 41 anos, viu seu segundo show da Legião Urbana na vida. Voltou pra casa as 3 da manhã, pegou o violão e ficou dedilhando “Tempo Perdido” na varanda até clarear o dia.

Manda pros coleguinhas!
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